O vazamento de print de conversas em aplicativos configura ato ilícito?

CEINDI
5 min readNov 17, 2021

Lucas Alampe Pimenta*; Thales Rodrigo Alves Borceda**

Fonte: Freepik/pch.vector

A Sociedade da informação está pautada nas novas tecnologias de informação e comunicação envolvendo desde a aquisição e armazenamento até a distribuição de dados por meios eletrônicos como os telefones e a própria internet. Este novo tipo de reagrupamento social permite que as informações bem como as relações interpessoais possam ser feitas de forma mais rápida e dinâmica.

O aplicativo WhatsApp veio como um dos principais veículos de comunicação responsável por esse dinamismo. Dentre suas principais funções, o aplicativo de celular e web proporciona o contato instantâneo entre as pessoas em qualquer lugar do mundo por meio do envio de mensagens de texto, fotos, vídeos e áudios.

Além dessas funções, o aplicativo ainda disponibiliza a possibilidade da criação de grupos e ligações telefônicas de áudio e de vídeo, sendo ambas resguardadas pelo sigilo das comunicações.

É importante ressaltar que o próprio aplicativo, com o intuito de proteger a privacidade dos usuários, emprega desde 2016 uma tecnologia de criptografia intitulada “de ponta a ponta”. A técnica impede que as mensagens sejam decifradas por terceiros, protegendo os dados no polo do emitente e do destinatário. Desse modo, apenas os participantes da conversa podem ler ou ouvir as mensagens trocadas — o próprio WhatsApp assegura não conseguir visualizar o conteúdo das mensagens.

Neste sentido, é oportuno constatar que o artigo 5º, inciso XII, da Constituição Federal já concede o sigilo às comunicações privadas sendo “inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Não obstante, e em concordância a Constituição, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) já se pronunciou quanto ao sigilo da comunicação no âmbito dos aplicativos de mensagens como o próprio WhatsApp, elucidando que o “envio e recebimento de mensagens via SMS, programas ou aplicativos de troca de mensagens, fotografias etc. –, por dizerem respeito à intimidade e à vida privada do indivíduo, são invioláveis, nos termos em que previsto no inciso X do art. 5º da Constituição Federal” (HC 609.221/RJ, Sexta Turma, DJe 22/06/2021).

Assim, infere-se que terceiros que não possuem acesso às conversas privadas entre pessoas ou até mesmo entre os grupos não podem obter as conversas de WhatsApp, ressalvado os casos em que houver consentimento expresso dos participantes ou de autorização judicial.

É válido afirmar que ao enviar a mensagem a determinado destinatário pelo WhatsApp, o emissor projeta, mesmo que de forma tácita, uma expectativa de que ela não seja compartilhada com outra pessoa que não seja seu ou seus receptores diretos. Isso ocorre em virtude do emissor ter escolhido não só para quem iria mandar como também pela própria encriptação que o aplicativo está sujeito como dito anteriormente.

Sendo assim, a eventual tomada de conhecimento por parte de um terceiro ensejará a violação à legítima expectativa, à privacidade e à intimidade do emissor. Destarte, caso a publicização gere lesividade a este mesmo emissor, será cabível a responsabilização daquele que divulgou sua conversa.

É pertinente informar que a eventual ilicitude poderá ser descaracterizada quando a publicização das mensagens tiver como fim resguardar um direito próprio do divulgador. Nesse caso, será necessário avaliar o caso concreto e suas peculiaridades para que se possa ponderar quais direitos irão prevalecer.

A decisão que deu origem à discussão foi o julgamento do Recurso Especial N° 1903273 — PR pelo Superior Tribunal de Justiça. Em resumo, a problemática se deve à divulgação, sem consentimento, de conversas ocorridas em um grupo no WhatsApp denominado “Indomáááááável F.C”. O grupo era composto por nove pessoas relacionadas à direção do Coritiba Foot Ball Club.

Durante conversas, um dos integrantes do grupo e vice-diretor do time, Pierre Alexandre Boulos, expôs sua insatisfação com a gestão da agremiação esportiva. Outro membro e recorrente do presente recurso, Bruno Tramajus Kafka, passou a divulgar na mídia, sobretudo em redes sociais, as conversas em que as críticas foram realizadas.

As instâncias ordinárias decidiram no sentido de que a publicização das conversas foi responsável por ofender a imagem e a honra de Bruno, havendo, portanto, nexo causal entre a conduta ilícita e os danos vivenciados pela vítima — incluindo a perda de seu emprego.

O recurso interposto por Pierre tinha como principal propósito decidir se a divulgação pública de mensagens trocadas por WhatsApp caracteriza ato ilícito apto a ensejar a responsabilização por eventuais danos decorrentes da publicidade. O entendimento, nesse sentido, foi o de ratificar o exposto pelas demais instâncias, ou seja, a caracterização da conduta enquanto ato ilícito e a quebra do contrato tácito estabelecido entre as partes.

Então, qual a consequência de compartilhar, sem consentimento, mensagens trocadas por aplicativo? Bom, tendo em vista o julgamento do recurso pelo Superior Tribunal de Justiça e os desdobramentos da presente discussão, um possível resultado é a caracterização de um ato ilícito de ordem civil que dá origem ao dever de reparar os danos. No entanto, como supracitado, é preciso que as peculiaridades do caso concreto sejam avaliadas.

*Graduando em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais- UEMG/Frutal.

**Graduando em Direito pela Universidade do Estado de Minas Gerais- UEMG/Frutal.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL. [Constituição (1988)]. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Brasília, DF: Presidência da República, [2020]. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 08 nov. 2021

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). Habeas corpus nº 609221 — RJ (2020/0220470–0). HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. PRISÃO EM FLAGRANTE. ACESSO A DADOS CONTIDOS NO CELULAR DO RÉU. RESERVA DE JURISDIÇÃO. AUSÊNCIA DE PRÉVIA AUTORIZAÇÃO JUDICIAL. AUSÊNCIA DE CONSENTIMENTO VÁLIDO DO MORADOR. ILICITUDE DAS PROVAS OBTIDAS. TEORIA DOS FRUTOS DA ÁRVORE ENVENENADA. ABSOLVIÇÃO. ORDEM CONCEDIDA. Rel. Min. Rogério Schietti Cruz; Julg. 15/06/2021; DJE 22/06/2021.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (3. Turma). Recurso especial n° 1903273. CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CERCEAMENTO DE DEFESA. AUSÊNCIA DE INDICAÇÃO DO DISPOSITIVO LEGAL VIOLADO. PREQUESTIONAMENTO PARCIAL. NEGATIVA D PRESTAÇÃO JURISDICIONAL. INOCORRÊNCIA. ÔNUS DA PROVA. PUBLICIZAÇÃO DE MENSAGENS ENVIADAS VIA WHATSAPP. ILICITUDE. QUEBRA DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA E VIOLAÇÃO À PRIVACIDADE E À INTIMIDADE. JULGAMENTO: CPC/2015. Bruno Tramujas Kafka versus Pierre Alexandre Boulos. Relatora: ministra Nancy Andrighi. Jul. 24 de agosto de 2021; DJE 24/08/2021.

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