O Marco Civil da Internet e o tempo de guarda dos registros

CEINDI
5 min readOct 26, 2021

Laine Moraes Souza*

Fonte: Freepik/Stories

O Marco Civil da Internet (MCI), Lei nº 12.965/2014, em seus artigos 15 e 13, disciplina que o provedor de aplicações de internet deverá manter os registros de acesso a aplicações de internet, também conhecidos como logs de acesso (artigo 13 do Decreto nº 8.771/2016[1]), pelo prazo de 6 (seis) meses e os provedores de conexão à internet devem manter os registros de conexão, de rol exemplificativo[2] previsto no artigo 5º, inciso VI, do MCI, pelo prazo de 1 (um) ano.

A legislação existente não deixa claro se este prazo, de seis meses para o provedor de aplicações de internet e de um ano para os provedores de conexão à internet, é de guarda de tempo mínimo ou máximo, prescricional[3] ou decadencial[4], trazendo para a doutrina e a jurisprudência o dever de suprir este entendimento, ante a importância deste instituto e os seus reflexos.

O Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDFT) vem entendendo que estes prazos previstos no MCI devem ser considerados como prazos mínimos de guarda das informações, com a possibilidade de extensão até o trânsito em julgado, visto que a informação guardada se tornou o objeto litigioso da ação e por isto não pode ser perdida no curso da ação judicial, in verbis:

De acordo com o art. 15, caput, do Marco Civil da Internet, os provedores devem guardar os dados de registro e acesso por, no mínimo, 06 (seis) meses. Contudo, o acondicionamento de arquivos não pode ocorrer sem previsão de prazo final, pois configuraria condenação ad eternum, o que não é possível[5].

O prazo de seis meses também deve ser observado por quem vai solicitar a informação, e por isto deve ser considerado como um prazo prescricional, ou seja, a parte interessada em obter a informação do registro de acesso do provedor de aplicação, tem o prazo máximo de seis meses para propor uma ação judicial solicitando os logs de acesso, sob pena da perda do direito de ação para esta finalidade.

A prescricionalidade do prazo ocorre apenas para a solicitação dos registros de acesso, não se estendendo a outros pedidos, tais como, remoção do conteúdo e fornecimento de dados cadastrais.

Proposta a ação dentro do prazo prescricional, poderá a parte solicitar que o provedor de aplicação faça a guarda da informação até o trânsito em julgado da ação e, a desobediência, poderá ensejar multa e eventual perdas e danos, entretanto, referida guarda é obrigatória, por ter se tornado a informação, o objeto litigioso, conforme será analisado em tópico próprio.

A exceção do tempo de guarda prevista neste tópico acontece para as autoridades policiais, administrativas ou o Ministério Público, conforme artigo 15, § 2º, da Lei nº 12.965/2014, que permite, mediante requisição administrativa ao provedor de aplicações de internet, a guarda dos registros de aplicações pelo prazo de sessenta dias, além dos seis meses obrigatórios, antes da sua solicitação judicial.

Importante lembrar que estas informações solicitadas são informações sensíveis e por isto, deve, o magistrado que a conceder, determinar o segredo de justiça, preservando assim a intimidade, vida privada, honra e imagem do usuário, nos termos do artigo 23 do Marco Civil da Internet.

Com as informações fornecidas, caberá ao solicitante, fazer o cruzamento destas informações para se chegar a autoria do ilícito e assim, tomar as medidas legais cabíveis para preservar o seu direito.

Toda ação judicial possui ao menos um objeto litigioso, que é a “pretensão trazida pelo demandante ao juiz em busca de satisfação”[6]. Assim, entende-se por objeto litigioso a pretensão processual limitada pelo(s) pedido(s) formado(s) na ação judicial, ou seja, é o bem/objeto sobre o qual recai o litígio, em que, em torno dele(s) se forma eventual litispendência e demarca os limites objetivos da coisa julgada[7].

Nas ações que envolvam o fornecimento dos registros de conexão e registros de aplicação de internet, estes registros se tornam o objeto litigioso do processo.

Isto significa que, após a propositura da ação, solicitando os registros de conexão e de aplicações de internet, o objeto litigioso não pode se perder. Os prazos estabelecidos nos artigos 13 e 15 do Marco Civil da Internet devem ser aplicados somente para a fase pré-processual, visto que após a propositura da ação, estabelecida a lide, referidas informações devem ser preservadas até o trânsito final do processo, sob pena de perca do objeto litigioso por culpa exclusiva do polo passivo.

A alegação de perca do objeto litigioso, em face do decurso do tempo previsto no MCI ou por outro motivo, feita pelos provedores de aplicação à internet e provedores de conexão, devem ser tecnicamente comprovadas, por laudo, não sendo possível a mera argumentação retórica.

A recusa no fornecimento das informações objeto da ação pode ensejar a determinação de busca e apreensão, nos servidores da empresa, conforme artigo 536, parágrafo primeiro, do Código de Processo Civil.

Em se comprovando eventual perda do objeto litigioso, no curso da ação, à luz dos artigos 499 e 500, ambos do Código de Processo Civil, o provedor de conexão e o provedor de aplicação à internet poderão ser condenados em perdas e danos, sem prejuízo da multa fixada para o fornecimento das informações.

A guarda das informações solicitadas judicialmente é uma obrigatoriedade para as empresas provedoras de conexão e provedores de aplicações à internet, até o trânsito em julgado da ação, em face da interpretação sistemática entre o Marco Civil da Internet, o Código de Processo Civil e a Constituição Federal, que possui como premissa a vedação ao anonimato.

*Advogada. Especialista em Direito Digital e Compliance. Graduada em Direito pela Universidade Federal de Uberlândia.

[1] Também denominado de Regulamento do Marco Civil da Internet.

[2] TJSP. Agravo de Instrumento nº 2258906–43.2015.8.26.0000, Órgão Julgador: Sexta Câmara de Direito Privado. Relator Desembargador Mário Chiuvite. Publicação: 12/05/2016.

[3] “(…) tomemos logo “prescrição” como a perda do direito de ação pelo não-exercício durante certo lapso de tempo”. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário: fundamentos jurídicos da incidência. 3ª ed. ver. e atual., São Paulo: Saraiva, 2004, p.209.

[4] “A decadência, também chamada de caducidade, ou prazo extintivo, é o direito outorgado para ser exercido em determinado prazo, caso não for exercido, extingue-se”. GARCIA, Wilson Roberto Barbosa. Prescrição e decadência no direito civil. DireitoNet. Disponível em:< http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/2313/Prescricao-e-decadencia-no-Direito-Civil>. Acesso em: 22 set. 2017.

[5] TJDF — 2ª Turma Cível — Processo nº 20160110115826 0003668–48.2016.8.07.0001 — Relator: SANDOVAL OLIVEIRA — Julgamento: 8 de fevereiro de 2017 — Publicado no DJE: 02/03/2017. Pág.: 572/609.

[6] DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de Direito Processual Civil. v. I, São Paulo: RT, 2001, p. 296.

[7] SANCHES, Sydney. Objeto do Processo e Objeto Litigioso do Processo. Revista da AJURIS — n. 16 — Julho/1979.

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