Metaverso e o direito da personalidade

CEINDI
5 min readMay 16, 2022

Diana Georges Freiha*

Fonte: Freepik/pikisuperstar

O metaverso é uma realidade virtual, um universo que cada vez mais ganha espaço no mercado atual, em que as pessoas se relacionam através de seus avatares, que nada mais são do que bonecos que os representam em um mundo virtual.¹ Comprar produtos, contratar serviços, celebrar contratos, fazer reuniões de trabalho, assistir a uma aula, ir a um show; todas estas atividades poderão ser realizadas por meio de avatares. Transportando o indivíduo a um mundo virtual, sem, contudo, obrigá-lo a sair de casa. O que nos leva a compreender que se trata de um meio dirigido e comandado por pessoas reais que se relacionam, fazem negócios; e tudo isso por meio de bonecos virtuais. E para que isto possa ocorrer, eles usam óculos de realidade virtual.

Não é à toa que milhares de pessoas estão desembolsando milhões para adquirir imóveis virtuais². Pois bem, o que pode soar estranho para muitos, é visto como um mercado altamente lucrativo para outros. Nota-se um forte crescimento na economia focada no metaverso.

O metaverso ainda é encarado como um desafio, uma vez que representa uma adversidade para o legislador que sente a necessidade de elaborar normas que imponham deveres de forma a resguardar o titular de direitos do abuso que o mundo virtual poderá ocasionar. Este firmamento virtual irá inegavelmente influenciar comportamentos e interferir nas relações interpessoais. Daí a importância de se proteger o cidadão nesta era digital. Tal prática nada mais é do que exercer a cidadania, condição tão cara ao homem.

Diante do exposto, muitos questionamentos vêm à tona. Dentre eles: será que os dados coletados por avatares podem ser tidos como pessoais e, portanto, protegidos como tal? Ou ainda, o que se fará nas hipóteses em que há uma interatividade não pretendida por ambas as partes envolvidas?

Ora, com a chegada do metaverso, urge a obrigação de se refletir sobre como a privacidade será objeto de proteção, e de como será a postura do poder judiciário e da sociedade diante do caso concreto.

Vive–se o auge da escravidão algorítmica em que os desejos de consumo são balizados e aferidos pelo que se digita na internet. Sites de busca decidem pelos humanos. As vontades de o que comer, beber, viajar são pré-programados, portanto, estão fora de alcance de um simples desejo do indivíduo. Este se torna vulnerável, subsistindo claramente uma acentuada assimetria de poder.

Como se pode notar, este universo virtual delineado pelo metaverso traz preocupações. Os direitos fundamentais restam ameaçados, na medida em que os dados pessoais são alvo de abusos e violações constantes. Falta transparência e sobeja opacidade nas relações negociais.

Os dados pessoais dos indivíduos tornam-se mais expostos, pois são coletados de forma progressiva e de uma forma infinitamente maior se comparada à quantidade de informações que circulam de maneira não virtual. Resta preocupante a vulnerabilidade do usuário no que diz respeito a sua privacidade e dados pessoais³. Este fato acaba por impedir o controle de acesso de dados pelo cidadão e de uma maneira geral pela sociedade. Pois se persevera aqui no sentido de que deva existir uma coleta de dados em que o titular disponha deles de forma consciente e segura e não desmedida da forma como vem ocorrendo.

Vale ressaltar, que para interagir e, consequentemente, se inserir neste mundo virtual, o indivíduo é “obrigado” a fornecer tais dados com a promessa de vivenciar tal mundo cada vez mais atrativo. Gera uma espécie de dependência social, em que o fator psíquico fala mais alto e a postura de se integrar neste novo universo passa a ser uma necessidade irrefutável.

Embora para muitos o metaverso represente uma realidade necessária e promissora, outros compreendem que o uso cada vez mais constante deste tipo de negócio representa uma afronta aos direitos fundamentais uma vez que permite o emprego e uso de dados pessoais, ou ainda pior, de dados sensíveis em escala global e, portanto, mais preocupante.

Ao ensejo, a Lei Geral de proteção de dados preocupada com tamanha exposição dispôs sobre o princípio da autodeterminação informativa⁴ que permite que o cidadão tenha o direito de controlar de controlar a grande quantidade de informações a seu respeito que trafegam neste mundo cada vez mais virtual.

Para reafirmar a importância dos dados pessoais, recentemente fora promulgada a Emenda Constitucional 115/2022 que incluiu a proteção de dados pessoais entre os direitos e garantias fundamentais⁵. Representando, assim, o cuidado em salvaguardar os direitos do cidadão.

Apenas para ilustrar nosso trabalho, pergunta-se: como ficaria a relação de consumo materializada no mundo do metaverso? A compra de um objeto, como exemplo. O indivíduo vê e adquire em uma loja em um ambiente virtual e logo após efetivar a compra, e receber o produto em casa, percebe que não era exatamente isso que ele outrora pretendia. Pois bem, como fica o direito do consumidor no mundo virtual?

Em outra hipótese, uma pessoa sofre assédio, vivenciado pelo seu avatar, dentro de um mundo virtual que ela mesma consentiu experimentar⁶. Como ficaria nesse caso o direito da personalidade nesse ambiente? Qual são os direitos e os deveres desse avatar dentro de um mundo que ainda não foi legislado?

Na China a ideia de avatar deu lugar a expressão meta-humano⁷. Esta expressão representa uma virtual-influencer. Com um futuro promissor na área de marketing, ela é capaz de influenciar milhares de pessoa para a compra de novos produtos e marcas. Como se pode notar mais uma vez, é o mundo do metaverso capaz de influenciar milhares de seguidores na tomada de decisão para comprar algo.

Por todo o exposto, pode se perceber que estes são alguns dos dilemas a serem enfrentados não só pelo legislador, mas também por todo corpo social. Um imbróglio que não está tão distante de ocorrer e caberá ao poder legislativo se debruçar sobre o tema cada vez mais presente no mundo atual e que interfere de forma certeira na vida das pessoas.

*Diana Georges Freiha - Mestranda em Direito pela Universidade Estácio de Sá. Curso de Especialização em Direito para a Carreira da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, em nível de Pós-Graduação Lato Sensu pela EMERJ.

REFERÊNCIAS

¹ Metaverso: tudo sobre o mundo virtual que está chamando a atenção dos investidores. Disponível em: https://www.infomoney.com.br/guias/metaverso/ . Acesso em: 03 de abr. 2022.

² TZANIDIS, Theo. Metaverso: por que pessoas e empresas estão gastando milhões para comprar imóveis virtuais. Publicado em 7/1/2022. Disponível em: https://www.bbc.com/portuguese/geral-59908725 Acesso em 21/3/2022.

³ Metaverso: um desafio para a privacidade do usuário? Publicado em: 7/12/2021. Disponível em: https://privacytech.com.br/protecao-de-dados/metaverso-um-desafio-para-a-privacidade-do-usuario,407314.jhtml . Acesso em: 03 de abr. de 2022.

⁴ BRASIL. Lei 13709/2018. Lei Geral de Proteção de Dados. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2018/lei/l13709.htm. Acesso em: 21mar2022.

⁵ Promulgada emenda constitucional de proteção de dados. Agência Senado. Publicado em 10/02/2022. https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2022/02/10/promulgada-emenda-constitucional-de-protecao-de-dados. Acesso em: 21/03/2022.

⁶ Metaverso de Zuckerberg já tem primeiras denúncias de assédio sexual. Usuária teve avatar ‘apalpado’. Disponível em: https://oglobo.globo.com/economia/tecnologia/metaverso-de-zuckerberg-ja-tem-primeiras-denuncias-de-assedio-sexual-usuaria-teve-avatar-apalpado-25323473. Acesso em: 03 de abr. 2022.

⁷ Pacete, Luiz Gustavo. Avatares e meta-humanos: diferenças e semelhanças das vidas no metaverso. Publicado em 9/12/2021. Disponível em: https://forbes.com.br/forbes-tech/2021/12/avatares-e-meta-humanos-diferencas-e-semelhancas-das-vidas-no-metaverso/#foto5. Acesso em 03 de abr. de 2022.

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Centro de Estudos Interdisciplinares de Direito e Inovação vinculado à Universidade do Estado de Minas Gerais- UEMG/Frutal